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sábado, 22 de março de 2008

Humanidade

Invasores [**]
Direção: Oliver Hirschbiegel
Com: Nicole Kidman, Daniel Craig, Jeremy Northam, Jackson Bond, Jeffrey Wright, Roger Rees


É difícil encontrar hoje em dia, um filme que entretenha e faça pensar. Talvez eu esteja creditando muito ao filme do ano passado, Invasores [The Invasion, EUA, 2007], afinal, se você leu críticas e/ou acompanha o Rotten Tomatoes, o filme foi bem malhado pela crítica geral. E no fundo eles estão certos, "Invasores" é mais uma adaptação de "The Body Snatchers", do novelista americano Jack Finney. Portanto, ela é de fato desnecessária. Contudo, o filme estabelece uma pergunta interessante: e se tivéssemos a oportunidade de cessar as falhas da humanidade?
Quando um ônibus espacial, vindo do espaço, explode e deixa rastros de seus destroços de Washington a Dallas [alguém tem idéia de quanto se constitui essa distância?], o governo pede para que as pessoas não toquem nos destroços, pois sabe-se lá que tipo de porcarias espaciais podem estar incrustadas neles. Mas sabe como é né... diga para uma criança não tocar na panela quente e ela vai lá e queima a mão; diga para um americano não meter o bedelho onde não deve e... uma invasão alienígena torna-se uma epidemia.
Processo: após contaminadas, as emoções das pessoas são drenadas pelo suor do sono REM e elas acordam meio zumbis.
Factum¹ #1: um cara do Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano [Northam], logo após visitar um dos destroços e se inteirar do caso, é contaminado por um pedaço de metal mostrado-lhe por uma garotinha que estava próxima ao seu carro.
Okaaaaay, vamos destrinchar a coisa: como que aquela pirralha conseguiu ultrapassar as barreiras e chegar perto de um zé² do governo sem ter 4 zilhões de soldados fazendo montinho nela à lá rugby? E o pior, como o cara do governo, que até pouco dizia ao povão para não tocar nos troços, vai lá, e desatentamente toca no treco que a menina traz?
Factum #2: Os lábios alienígenas de Nicole Kidman é a Dra. Carol Bennell, uma psicanalista de Washington, mãe divorciada de um garoto fofo e cativante por sua infantil esperteza - o que previne Jackson Bond de se tornar Dakota Fanning [protegendo-o de tentativas de murros]. Um dia ela é acordada pelos gritos do menino!! Relaaaaaxa, galere¹, foi só um pesadelo - até parece que vocês não sabiam disso! Horas depois ela recebe uma ligação de seu ex-marido dizendo que quer ver o guri. Pausa para a peripécia[!!!!!]: o ex-marido de Kidman é o zé do governo!!!!!!!!!! Ele agora já está dando entrevistas coletivas sobre uma epidemia de gripe e a necessidade de vacinação. Porém, o interessante é que Bennell conta a uma amiga que o filho voltou a ter pesadelos depois que soube da futura temporada com pai [????????].
Tudo isso lhe é apresentado em mais ou menos dez ou quinze minutos. Não contei, mas, sendo honestíssimo, a impressão que tive depois disso tudo, foi que havia apenas cinco minutos de filme. Ritmo acelerado e ágil é ótimo quando o roteiro é coeso e coerente; mas no caso do de Dave Kajganich, logo se vê que tais cortes bruscos são resultado de edições e re-edições, ou seja, o filme poderia ter sido bem diferente do que foi apresentado - mas como, nunca saberemos, afinal, nossa adorável amiga Warner Bros. deve ter feito o favor de mandar o diretor alemão, Oliver Hirschbiegel, autor do aclamado suspense alemão, A Experiência, e do drama indicado ao Oscar em 2005, A Queda, a fazer seu primeiro filme em inglês, "mais americano".
Na tal cena em que Bennell conversa com a amiga sobre o filho, ela menciona que está tratando o garoto com uma específica droga psicotrópica; posteriormente ela aconselha ao garoto não esquecer de tomar suas pílulas, enquanto com o pai. Num outro momento, ela receita a uma paciente, uma droga [devo frisar que todas as drogas aqui são psicotrópicas] adicional às que ela já usava, após a mulher ter contado sobre o comportamento diferente e estranho do marido: "my husband is not my husband!"
A maneira como a Dra. Bennell trata seu filho e pacientes com capsulasinhas coloridas, que agem no sistema nervoso das pessoas, deixando-as momentaneamente "calmas e felizes", é o ponto interessante [e eu hiperbolaria³ isso] do filme.
Recentemente, chegou ao meu conhecimento o livro Felicidade Artificial - O Lado Negro da Nova Classe Feliz, do anestesista americano, PhD em Filosofia [!!!], Ronald W. Dworkin. O livro fala da descriminada cultura das drogas psicotrópicas na sociedade americana; de como os americanos estão se tornando pessoas robóticas, que parecem felizes porque tomam, todos os dias, pílulas que os deixam felizes - porém, não vão a fundo e combatem a "causa real" da infelicidade.
A Dra. Bennell parece ser dessas psicanalistas que receitam químicos para qualquer coisa: a paciente dela demonstra uma indisposição e medo em relação à mudança de comportamento do marido [que antes a esbofeteava e agora vivia oferecendo coisas para beber], e ela receita outro remédio; o filho começa a ter pesadelos e tome-lhe pílulas. Dessa forma, as pessoas acionam uma válvula no cérebro que bloqueia os pensamentos negativos, mas no fundo não os resolvem. Ou seja, as emoções dão lugar à subserviência à boa relação. Quando um casal briga, é porque há uma quebra na harmonia, que deve ser investigada e, então, resolvida. Mas se toma-se pílulas para qualquer indisposição emocional, bloqueia-se a dita cuja e fica-se "artificialmente" feliz; mas não é essa dualidade comportamental que nos torna humanos?
Num diálogo excitante entre Carol e o embaixador russo Yorish [Rees], este alfineta justamente essa cultura dos psicotrópicos:


Yorish: Digo que a civilização é uma ilusão, um jogo de fingimento. A realidade é o fato de que somos animais, estimulados por instintos primários. Como uma psiquiatra, você deve saber isso como verdade.
Carol: Para ser honesta, embaixador, quando uma pessoa me fala da verdade, o que ouço é que ela me fala mais dela própria, do que do mundo em geral.
[...] Yorish: Talvez isso seja verdade, talvez ser russo neste país seja visto como uma patologia. Então o que você me diz, pode me ajudar? Pode me dar uma pílula, para me fazer ver o mundo como os americanos o vêem? Pode me ajudar a entender Iraque, ou Dafur, ou até New Orleans?[...] Tudo que digo é que nossa civilização desmorona sempre que precisamos dela. Em determinada situação, todos somos capazes dos mais terríveis crimes. Imaginar um mundo em que isso não acontecesse, onde cada crise resultasse em novas atrocidades, onde todos os jornais não estivessem cheios de guerra e violência. Bem, isso é imaginar um mundo onde seres humanos deixassem de ser humanos.

A fala do embaixador pode ser considerada derrotista, e contra isso a astuta Carol Bennell cita grandes filósofos para provar a corrente mudança e melhora. Mas [pausa para a nova e completamente inesperada peripécia!!!]: Bennell tem seus ideais questionados quando seu filho se torna a esperança de cura contra o vírus alienígena.
As repentinas idas e vindas do filme de Hirschbiegel são um irônico exemplo da americanização da visão das pessoas. Um filme que tinha uma inteligente premissa de crítica à massificação desenfreada das drogas psicotrópicas, virou um suspense de tensão clichê [direções às cegas com milhares de zumbis em cima do carro? Ultra novidade!], tudo a favor da bilheteria.
Ainda bem que o tiro saiu pela culatra.
1 - Não é latim, nem erro ortográfico, é tiopês.
2 - Zé = qualquer pessoa.
3 - Exageraria.

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