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****genio!!!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Inquisição

Fahrenheit 451 [***1/2]
Direção: François Truffaut
Com: Oskar Werner, Julie Christie


A humanidade se movimenta aparentemente sem propósito e vazia, com movimentos e olhares vagos, tomando estimulantes para seguirem pelo dia e fazer o que devem, e calmantes para dormirem. Em casa, quando não estão a fazer necessidades básicas [comer, dormir etc], estão vendo televisão, uma televisão um tanto interativa: você participa do programa a qual assiste. Parece 2008, certo? E poderia bem ser na semi-profética ficção-científica, dirigida por François Truffaut, Fahrenheit 451 [Fahrenheit 451, 1966, França/Reino Unido].
Em seu primeiro e único filme falado em inglês, o legendário diretor Truffaut e o roteirista Jean-Louis Richard adaptaram o romance do escritor americano Ray Bradbury, sobre uma sociedade na qual os livros são proibidos e as pessoas movimentam-se voluntariamente subjugadas a um governo repressor, que alimenta a alienação da população. Nesse futuro, os bombeiros, ao invés de apagarem os incêndios, são requisitados para queimarem os livros estocados clandestinamente [como num retorno à Inquisição medieval]. Um deles é Guy Montag, casado com a fútil Linda, que começa a questionar seu trabalho e vida quando conhece Clarisse, uma vivaz membra da resistência.
A maior beleza do filme de Truffaut reside em sua profunda qualidade; pode-se listar uma centena de pontos interessantes tanto da produção, quanto da trama por si só. Vou falar de três aspectos positivos que me embasbacaram e um negativo que, por outro lado, não sei bem se devo tê-lo como tal.
Primeiramente, é maravilhoso assistir a Julie Christie fazendo as duas mulheres na vida de Montag. Como não se podia esperar menos, ela representa as duas magistralmente, porém o mais intrigante das performances de Christie é que há uma linha muito tênue entre Linda e Clarisse. Ambas são lindas e sensuais, em suas próprias formas e falam pelos cotovelos; contudo a voz de Clarisse possui o ritmo acelerado, representando seu cérebro imaginativo alimentado por sua atividade ilegal [evidenciado pelo "rebelde" corte de cabelo masculino]. Já Linda também fala bastante e um tanto rápido, contudo, em seu olhar há um vazio que podem ser considerados a quintessência da máxima "os olhos são o espelho da alma." Essa diferença pode parecer bem óbvia, mas ela é feita por Christie com uma habilidade que simplesmente não deixa que você se confunda quem é quem por momento algum.
Outro aspecto delicioso do filme é Oskar Werner como Montag. Um protagonista como Montag não é muito difícil de se gostar, já que a trama o indulgencia pelo crime que ele comete. Porém, o filme de Truffaut nunca escolhe caminhos óbvios e em determinados momentos, os discussos detratores da leitura são tão convincentes que a dúvida alfineta o espectador. É aí que Werner brilha, pois seu Montag guarda nos olhos e semblante a seriedade com a qual ele leva as jornadas que se propõe na vida: ele faz seu trabalho sem questionar e quando começa a fazê-lo não pode negar sua posição. De uma certa forma, a integridade de Montag o torna um homem admirável e sensual, em outras palavras, um herói.
Por fim, o filme de Truffaut não especifica de que época fala, tornando-o um filme eterno e, considerando a vida que temos hoje, ele é, como disse no primeiro parágrafo, praticamente profético. O livro de Bradbury foi lançado em 1954, escrito num contexto em que a Cultura Pop começava a tomar lugar da acadêmica/erudita e, de certa forma, as coisas eram apresentadas às pessoas "editadas/resumidas/mastigadas". A televisão ganhara cores no início da década e já era a mais popular fonte de cultura da sociedade americana. No filme, ela é o principal meio pelo qual o governo controla a população que, proibida de e desestimulada a ler e incitar a imaginação e o cérebro, age roboticamente. Então, a atemporalidade do filme [e provavelmente também do livro] acontece de forma que nos vemos nesse futuro, afinal vivemos na época em que a mídia [especialmente a televisiva] nos dita como viver, enquanto não nos interessamos em verdadeiras atividades intelectualmente estimulantes, por preguiça ou simples despeito de achar que saber superficialmente de tudo é o suficiente.
Já o tal ponto negativo do filme é que, o filme deixa claro que não só os livros, mas como toda leitura, são proibidos há anos. As pessoas tiram as informações necessárias sobre outras pessoas, remédios etc através de imagens e cores. Portanto, fica confuso como as personagens que se rebelam contra o sistema, principalmente Guy Montag - nascido, crescido e servidor do sistema, - sabe ler. Seria um buraco no roteiro de Richard? Ou esse buraco seria intencional? Ao questionar um amigo sobre isso, ele simplesmente disse: "daí você deve perguntar a Ray..."
Ou seja, temos que voltar ao livro.
[Soundtrack: Intuition - Jewel]

Um comentário:

A.Pedro disse...

Miog!
fabuloso!! Muuuuuuitas observações válidas!!
E o buraco (que discordo que seja um ponto negativo) do roteiro é realmente algo para se pensar!
ótimo!